sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

HIP HOP E EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: POSSIBILIDADES DE NOVAS TEMATIZAÇÕES

Souza, I.C. e Nista-Piccolo, V. L.
GEPEFE (UNICID e USJT)
Resumo
O presente estudo tem por objetivo apresentar a Cultura Hip Hop a comunidade acadêmica da área de Educação Física realizando um levantamento histórico através de fontes bibliográficas. Neste sentido, propomos a utilização desta manifestação cultural como possível eixo temático a ser utilizado nas aulas pertinentes ao contexto escolar, particularmente no ensino médio.
Discutir propostas pedagógicas para qualquer nível de ensino passa obrigatoriamente pelo entendimento que temos sobre a área de Educação Física, este entendimento serve de base à nossa práxis pedagógica, conseqüentemente, o eixo norteador de nosso trabalho; desse modo:
Atualmente entende-se que a Educação Física, como disciplina escolar, deve tratar da cultura corporal, em sentido amplo: sua finalidade é introduzir e integrar o aluno a essa esfera, formando o cidadão que vai produzir, reproduzir e também transformar essa cultura. Para tanto, o aluno deverá deter o instrumental necessário para usufruir de jogos, esportes, danças, lutas e ginásticas em beneficio do exercício crítico da cidadania e da melhoria da qualidade de vida. (BRASIL, 2002 p. 139)
Este entendimento aponta para a diversificação de temas e conteúdos abordados em aula, diversificação esta apoiada nos elementos da cultura corporal. Neste sentido, as aulas de Educação física ministradas no contexto escolar não possuem conteúdos pré-estabelecidos, dada a diversidade cultural existente em nosso país.
Neste trabalho, decidimos apontar propostas pedagógicas tendo o ensino médio como alvo de nossas proposições. Fase da educação básica que não é demasiadamente explorada no meio acadêmico de nossa área. Para tanto recorreremos a idéias presentes nas “orientações curriculares para o ensino médio” (BRASIL, 2006); concomitantemente, utilizaremos também, as idéias contidas nos PCN + Ensino Médio (BRASIL, 2002).
Pensar nos alunos que freqüentam o ensino médio é pensar em sujeitos históricos inseridos em determinado contexto, estes sujeitos trazem consigo diversas maneiras de se expressarem no mundo dentre essas formas de expressão estão as práticas corporais desses alunos:
Por meio do movimento expressado pelas práticas corporais, os jovens retratam o mundo em que vivem: seus valores culturais, sentimentos, preconceitos, etc. Também “escrevem” nesse mesmo mundo suas marcas culturais, construindo os lugares de moças e rapazes na dinâmica cultural. (BRASIL, 2006 p.218)
As ferramentas que moças e rapazes utilizam para significar e re-significar o meio onde se encontram é de fundamental importância numa aula de Educação Física, precisamos enquanto professores buscar entender nossos alunos enquanto sujeitos sócio culturais, ou seja, é necessário conhecer os signos sociais presentes na dinâmica social do grupo com qual iremos trabalhar.
Buscar conhecer o aluno é fundamental em qualquer processo educacional, mas como podemos faze isso? Onde buscar informações que efetivem denotem aquilo que meu aluno expressa corporalmente?
Entendemos que uma das melhoras efetivar este conhecimento é através dos diferentes grupos juvenis existentes, em outras palavras, a “chave de leitura do mundo” dos jovens passa primordialmente pelos grupos constituintes daquilo que convém de chamar de Culturas Juvenis (MAGRO, 2002).
As Culturas Juvenis são berço de grande parte da significação e re-significação do mundo por parte dos jovens, buscar conhecer estas manifestações explicita a importância dos conhecimentos que os jovens produzem fora do contexto escolar trazendo-o para dentro desta comunidade; em outras palavras, a efetividade educacional passa primordialmente pelo significado que o aluno atribui aquilo que lhe é proposto dentro do espaço das aulas, se procurarmos conhecer aquilo que os alunos produzem culturalmente caminharemos a passos largos neste sentido, pois assim, caminharemos conjuntamente a nossos alunos.
A Cultura Hip Hop, é uma destas manifestações culturais que estão presentes no cotidiano de diversos adolescentes, principalmente nas periferias dos grandes centros. Calcada nas premissas da Educação Comunitária (MILITÃO, 2003), a Cultura Hip Hop trabalha com uma série de signos sociais que evidenciam uma série de questões pertinentes à juventude. O principal objetivo deste artigo é, apresentar a Cultura Hip Hop a comunidade acadêmica da área de
Educação Física propondo sua utilização no meio escolar, enquadrando-o aos eixos temáticos já existentes.
A expressão Hip Hop foi proferida por Afrika Babaataa, no de ano de 1968, no Bronx, periferia de Nova Iorque. Ao pé da letra esta expressão significa: movimentar os quadris (to hip, em inglês) e saltar (to hop). (Rocha et al. 2001 p. 17). Como sabemos, o Hip Hop não é uma simples expressão oriunda dos guetos norte americanos. Com o passar dos anos esta prática social foi transformada numa manifestação cultural politicamente engajada e isso aconteceu na década de 1970:
No dia 12 de novembro de 19741, um ano depois do nascimento da Internacional Zulu Nation, que é a maior organização de Hip Hop no mundo e foi fundada pelo fantástico Afrika Bambaataa, que também criou o termo Hip Hop em 1968 para descrever o movimento de “balançar os quadris” durante a dança. (Alves, 2004 p.22)
Por não haver trabalhos acadêmicos sobre esse tema, buscamos interpretar as publicações existentes, elencando as informações mais significativas, conforme nos recomenda a comunidade científica, para a elaboração de artigos científicos. Este trabalho: “pergunte a quem conhece: Thaíde” traz importantes reflexões deste MC – Thaíde - sobre a história, caminhos e descaminhos da Cultura Hip Hop no Brasil.
Um outro dado sobre o Hip Hop é a falta de definição da data de seu surgimento. Segundo a literatura pesquisada a respeito do assunto, alguns apontam que sua criação ocorreu no final da década de 1960, enquanto outras publicações declaram que isso aconteceu no inicio da década de 1970. Talvez esse equívoco ocorra por conta do termo Hip Hop ter surgido no fim da década de 1960, mas numa época em que a expressão em si não traduzia a manifestação cultural que ela significava, pois seria constituída a partir daquele momento e sistematizada pela Zulu Nation, em 1974.
Na esfera dos estudos sociais e antropológicos o Hip Hop, como afirma Silva (1999) foi concebido como manifestação artístico-politica de um momento de transição da metrópole nova iorquina. Já os sujeitos, praticantes dessa arte, que transformaram as significações do Hip Hop em filosofia de vida o conceituam como Cultura de rua, cuja estrutura baseia-se em quatro
1 Grifo meu.
elementos: DJ (Disc Jóquei), B.boy (Breaking Boy), MC (Mestre de Cerimônia) e Grafite (Artes Plásticas).
Este novo conceito trouxe uma definição, ainda apontada pelos praticantes e estudiosos do assunto, que é entender o Hip Hop como manifestação da Cultura Hip Hop.
Andrade (1996) o define como movimento, por compreender que partindo deste pressuposto o julgar acadêmico frente a este universo tornar-se-ia mais eficaz. Isto gera uma reflexão acerca do conceito de Hip Hop, pois há aqueles que o apontam como uma prática cultural, enquanto para outros não passa de um movimento que se apresenta em determinada época.
Enquanto pesquisadores preocupados com o estudo das manifestações culturais, buscamos interpretar de que maneira essas práticas se expressam em nosso meio. Os praticantes do Hip Hop são as pessoas que significam e re-significam as características incutidas em cada um de seus elementos, dedicando a sua vida ao aprofundamento dessas expressões.
Não se pode dizer que a expressão “Movimento Hip Hop” esteja equivocada, mas o mais importante é saber que a essência do Hip Hop sempre foi manifestada como uma cultura de rua.
Pode-se dizer que o Hip Hop tem uma origem jamaicana, não que ele tenha sido criado em território jamaicano e importado aos Estados Unidos, na verdade, a população que habitava a periferia norte-americana, em especial o Bronx, bairro onde o Hip Hop nasceu, era em grande parte formada por imigrantes oriundos da América Central, dentre eles podemos destacar Kool Herc.
Quando migrou para os Estados Unidos, Kool Herc, DJ nascido na Jamaica, levou consigo a cultura das disco-mobiles (Alves, 2004 p.10). Ele organizava festas que se tornaram famosas naquela região, e algumas pessoas passaram a se dedicar à produção e transformação dessas festas, tornando-as em grande ponto de encontro, dentre elas: Grand Máster Flash e Afrika Bambaataa.
No fim da década de 1960, os elementos constituintes da cultura Hip Hop passaram a chamar essas festas de Block Parties – festas de quarteirão – que tinham como objetivo: a valorização da cultura negra e hispânica, que segundo Andrade (1999) eram maioria nesse bairro, o qual é considerado o berço da Cultura Hip Hop, ou seja, o Bronx.
Afrika Bambaataa, um dos idealizadores da Cultura Hip Hop, almejava o fim dos conflitos que havia naquele bairro, e para ele existiam duas formas disso ocorrer: a primeira seria a busca da conscientização acerca da realidade que os envolvia. Bambaataa volta seu olhar,
principalmente, aos conflitos existentes no Bronx, que, na maioria das vezes, eram entre os próprios negros que habitavam aquele bairro. Para ele, a conscientização poderia levar os jovens a refletirem sobre as suas próprias ações. E a segunda, seria transferir as energias dos conflitos para as apresentações no palco, ou nas rodas de dança, assim, definindo um papel para cada elemento dentro das Block Parties.
Então, o DJ (Disco Jóquei) era responsável pela pick up de som, reproduzindo músicas negras e latinas; cabia ao MC (Mestre de Cerimônia) a responsabilidade de manifestar-se através da oralidade, ou seja, este elemento trabalhava com as palavras para informar e administrar as festas. Vale lembrar que as Block Parties como apontam Andrade (1999), Paz Tella (1999) Rocha et al. (2001) eram pontos de práticas do Hip Hop, onde o entretenimento e a conscientização imperavam. A junção destes dois elementos – MC e DJ – culminou na criação do Rap (Rythm and Poetry), do português Ritmo e Poesia.
Historicamente o Rap, como nos mostra Silva & Soares (2004) tornou-se o elemento de maior visibilidade no léxico da cultura Hip Hop. Paz Tella (1999) em sua conjectura acerca da matriz histórica desta prática musical, o aponta como: novo gênero musical, descendente direto ao funk. Neste sentido podemos pensar numa rede de estilos musicais que influenciaram o rap de maneira direta; o Blues, R&B2, Jazz, o Soul e por último o Funk. Estas músicas têm em sua origem a essência da etnicidade negra, cada qual com sua especificidade, buscavam de certa maneira valorizar as questões pertencentes ao contexto da cultura negra norte-americana, tanto do campo como da cidade.
Além desses elementos que deram origem ao Rap no léxico da Cultura Hip Hop, há também outros dois elementos significativos nesse tipo de manifestação, que são o Grafite e o B.boy.
Não há uma data específica do surgimento do grafite enquanto manifestação cultural, nos bairros periféricos dos Estados Unidos. Andrade (1999) e Rocha et al. (2001) apontam que o grafite emerge como uma das formas que os jovens utilizavam para demarcar seu território em muros e placas de seus bairros, e que, com o passar do tempo, aperfeiçoaram suas pinturas ocupando novos espaços com elas. O Grafite passou a utilizar o espaço das ruas como sala de exposição de suas obras, e automaticamente, assume a postura de arte engajada dentro de sua singularidade periférica que permeia os ideais da Cultura Hip Hop. Ou seja, o grafite tornou-se
2 Rythm Blues
uma forma de expressão ativa da Cultura Hip Hop, traduzindo a leitura da realidade oprimida de jovens negros e hispânicos, em forma de artes plásticas.
Há também um outro elemento cultural que faz parte do Hip Hop que é a dança, a qual se constitui dos chamados B.boys e B.girls – Breaking Boys e Breaking Girls. Existem duas versões que corroboram seu surgimento: uma delas faz alusão à guerra do Vietnã, como aponta Andrade (1999). Dos soldados que estiveram na guerra e voltaram para os Estados Unidos com seus corpos mutilados e ao maquinário específico da guerra, como o tanque, por exemplo. A outra versão trata da ascendência da dança nas periferias norte-americanas. Os negros e latinos que migraram para os E.U.A tinham expressões culturais que eram traduzidas em forma de dança, essas danças passaram a dialogar, e, em um desses diálogos surgiu o Break, do inglês quebra, daí o nome B.boy e B.girl referindo-se aos garotos e garotas que dançam na quebra da música. Esta quebra pode ser caracterizada pelas paradas que os DJ’s produzem nas músicas. Nesta forma de dançar era clara a influência do Soul, do Jazz e do Funk, como pode ser observado ainda nos dias de hoje.
A idéia em escrever um pouco sobre origem de cada elemento da Cultura Hip Hop, prende-se ao seguinte fato: o Hip Hop enquanto manifestação cultural cresceu de maneira significativamente alta nestes 31 anos3, e, conseqüentemente, ultrapassou as fronteiras dos Estados Unidos e ganhou as periferias do mundo.
Para analisarmos a Cultura Hip Hop no Brasil, é preciso rever a construção cultural dele em seu contexto, pois, a essência do Hip Hop brasileiro difere da essência do Hip Hop cubano. Mas esta diferença não se dá de maneira contraditória, pois as matizes éticas do Hip Hop são muito parecidas, assim como nos diz Mano Brown em uma de suas letras: Periferia é periferia em qualquer lugar...
O grande objetivo da Cultura Hip Hop, acima de tudo, é trazer à tona a voz do ser oprimido, e isso pode se dar por meio das diferentes interpretações que diversos povos têm sobre a Cultura Hip Hop, com suas respectivas diferenças culturais. À medida que seus princípios são significados e re-significados, ao longo dos tempos, começam a ser desenhadas as diferenças em suas manifestações.
3 Vale lembrar que o Hip Hop, foi cunhado como movimento social no dia 12 de novembro de 1974, pela Zulu Nation..
Nesse artigo propomos analisar a Cultura Hip Hop utilizando como referência o que produzimos e reproduzimos como B.boys, Grafiteiros, DJ’s e MC’s.
Desde o início do meu envolvimento com a Cultura Hip Hop, um questionamento tem me angustiado: como o Hip Hop chegou ao Brasil? Na época em que ele começa a ser explorado, a principal ferramenta para busca de informações era a Cultura Oral4, cujas informações eram muito confusas. A maioria dava conta de que o Hip Hop havia chegado pelos documentários e por meio das pessoas que viajavam para os Estados Unidos trazendo novos passos de dança e novas informações acerca desta prática social. Mas, se o Hip Hop é uma cultura de rua, sua riqueza, seu material está nas mãos dos pobres e oprimidos, e estes, com certeza não têm condições financeiras para viajarem aos Estados Unidos e voltarem com roupas, discos e fitas de vídeo, lançando moda aqui no Brasil.
Algumas publicações, que declaram o estudo do Hip Hop, e principalmente algumas letras de música, revelam o Hip Hop como uma prática social que teve um caminho trilhado de maneira especialmente específica no Brasil, onde o berço do Hip Hop à brasileira5 foi à cidade de São Paulo.
O Hip Hop é uma pratica social fundamentada em quatro elementos, e um deles é a dança – o Break - primeiro elemento ligado à Cultura Hip Hop que chegou ao Brasil. Sua entrada foi, no mínimo, curiosa, pois naquela época, tudo parecia muito estranho, como uma forma diferente de se dançar. Aquela dança era feita por negros que se vestiam com roupas diferentes, para não dizer, estranhas. Os negros, além da dança, portava-se totalmente diferente daquilo que estávamos acostumados a observar e praticar, com roupa muito larga e colorida, além de deixarem seus cabelos crespos grandes e despenteados formando o Black Power. Nós já conhecíamos o Black Power, personalidade presente nos bailes Black de São Paulo e Rio de Janeiro, característico dos bailes de Soul e Funk.
Ao tomarem contato com este novo tipo de manifestação artística, muitos passaram a buscar informações sobre sua origem, e conseqüentemente, passaram a reproduzi-la nos bailes brasileiros. Neste contexto, em nossa história, existe uma figura chamada Nelsão aquele cara cumprido, alto parece um palito e tem um cabelão6, que é pernambucano de Triunfo, mas que
4 Traço característico das manifestações culturais de ascendência étnica negra.
5 Frase enunciada pelo MC Thaíde, na apresentação da dissertação de mestrado da Prof. Elaine Nunes de Andrade, presente em: (Andrade, 1999 p.10).
6 Música do Thaíde
tem sua importância histórica por ser considerado um dos patriarcas da dança de rua no Brasil. Ele tomou contato com a dança nos bailes da Fantasy (discoteca localizada em Moema bairro nobre da cidade de São Paulo) e com o evoluir de suas práticas somadas à sua ideologia, levou a dança para as ruas. O lugar escolhido foi o centro de São Paulo, onde Nelsão, juntamente a seu grupo, o Funk & Cia, ensaiavam seus passos de dança. Neste período a dança de rua alcançou a grande mídia, tornando-se uma das principais atividades da moda. Este ápice pode ser comprovado, na abertura da novela global “Partido Alto” que foi gravada por B.boys. Mas, da mesma forma que a mídia eleva, a retira do contexto pop com a mesma facilidade. Sobre isso, temos a seguinte declaração:
Nelsão, porém, adverte que, quando a moda do break passou, depois de 1985, só ficaram no movimento aqueles que eram mesmo interessados: “A mídia achou que a febre tinha acabado, mas nós insistimos”. Quando o irmão de Nelsão, o B.boy Luisinho, e outros integrantes da Funk & Cia começaram a dançar break na estação São Bento do Metrô, eles mal sabiam que o local iria se transformar no santuário do Hip Hop no Brasil, a partir de meados da década de 1980. (Rocha et al. 2001 p.50)
Como visto, a dança de rua deixou de ser um dos alvos da moda. Isto foi determinante para o crescimento de novos conhecimentos e novas praticas que envolvem a dança e suas ideologias. Um novo ponto foi escolhido para os B.boys treinarem, e esta escolha se deu pelas condições do piso e a facilidade de acesso.
Naquele tempo, os jovens que dançavam nas ruas eram considerados marginais, por estarem efetuando uma pratica socialmente desconhecida e, acima de tudo, pelo pré-conceito que recaía sobre eles. A vestimenta daqueles jovens era totalmente diferente do habitual, as práticas corporais as quais estavam se dedicando também, logo, aqueles jovens passaram a ser vistos como possíveis “problemas” para a população, isto levou a repressão policial que costumeiramente terminava em violência. Portanto, qualquer atividade que envolvesse os elementos já conhecidos pela policia, era subitamente reprimida, sendo os indivíduos obrigados a pararem com suas práticas. No pátio da estação São Bento, os B.boys conseguiram desenvolver suas atividades com mais eficácia, mas não encontraram a paz total; estes jovens precisavam de algo fundamental na prática de qualquer dança, a música. Sempre que B.boys e B.girls saiam para treinar levavam consigo ao menos um aparelho de som, que precisava de energia elétrica
para funcionar. No pátio da estação São Bento eles utilizavam a energia do Metrô, o que é expressamente proibido, os seguranças daquela estação reprimiram suas ações, para driblar este problema eles faziam o seguinte:
Ficávamos usando a energia do metrô, mas já levávamos o som com pilhas. Quando um deles se aproximava, desligávamos o som do plug de energia deles e o som continuava rolando com pilhas. (Alves, 2004 p.45)
A estação “São Bento” pode ser apontada como um dos santuários do Hip Hop nacional, pois grandes nomes do Rap e do Break, passaram por ali. Uma das características interessantes deste período foi a utilização das latas de lixo. No livro Hip Hop a periferia grita (2001) as autoras intitulam um de seus capítulos “a turma que batia latinha”, trazendo fotos de alguns personagens, B.boys que fazem parte da história do Hip Hop nacional. Pessoas como Nelson Triunfo, Marcelinho Back Spin e outros fazendo das latas parte de suas expressões. O livro de César Alves (2004), retrata a história de Thaíde que começou dançando Break, no qual Thaíde conta que:
No começo dava pra fazer os rachas numa boa. Ninguém embaçava. Mas, com o tempo, os seguranças – que agente chamava de “urubus”, porque eles usavam uma roupa toda preta, como usam até hoje – começaram a implicar com o fato de a gente usar a energia elétrica do metrô. Então, começamos a fazer um esquema que era o seguinte: ficávamos usando a energia do metro, mas já levávamos o som com pilhas. Quando um deles se aproximava, desligávamos o som do plug de energia deles e o som continuava rolando com pilhas. Isso funcionou durante um tempo, mas depois eles começaram a perceber. Além disso, não era sempre que a gente tinha dinheiro pra comprar as pilhas e foi aí que eu tive a idéia de usar as latas de lixo. Como não dá pra dançar sem som, por que não produzi-lo nós mesmos? (Alves, 2004 p.45)
Este discurso de Thaíde nos dá a dimensão de como os treinos aconteciam na estação “São Bento”, e porque a lata de lixo começou a fazer parte da história da dança de rua no Brasil. Talvez o termo mais adequado a ser atribuído às latas seja “material alternativo”, que pode nos levar a refletir sobre as dificuldades encontradas pelas pessoas que dançavam. Constata-se que não havia infra-estrutura para a prática da dança naquele local, sem contar o preconceito que os
rondava a todo o momento. Em outras palavras, os B.boys conseguiam traduzir por meio da dança, no contexto em que ela era praticada, as suas angústias do cotidiano.
O tempo passou, a dança de rua foi difundida por todo o Brasil. No estado de São Paulo ela é uma forma de expressão, reconhecida por todos. Algumas pessoas atribuíam-lhe uma carga negativa ao apreciá-la, outros a viam como algo extremamente positivo.
A estação “São Bento” já não é mais o principal ponto de encontro dos B.boys de todo o país. Hoje a dança de rua pode ser praticada utilizando as bases de sistematização das práticas desportivizadas, pois os grandes “rachas” dos bailes da noite paulista deu lugar às “batalhas”, em outras palavras, campeonatos de Break. Essa dança é representada por vários grupos, dentre eles podemos destacar: Street Breakers BBS, Dye Hard Crew, Discípulos do Ritmo, entre outros.
A dança de rua é o primeiro elemento da cultura Hip Hop a chegar em território brasileiro, em seguida chegou o Rap.
O Rap é o pilar da Cultura Hip Hop, e tem como ponto forte a voz, então, é o espaço que possui maior visibilidade, pois nas mais diferentes sociedades a “fala” é utilizada como o principal meio de comunicação. Em outras palavras, na Cultura Hip Hop temos o B.boy que se expressa através da dança, o DJ por suas pick up’s, o Grafiteiro pelas artes plásticas e o MC, que em parceria com o DJ se expressa pela fala, ou melhor, pela poesia Rítmica. Esta poesia é arraigada de sentimentos e ações próprias das periferias. As músicas revelam o sentimento de pertença de jovens e adultos à periferia onde residem. Portanto, o Rap não pode ser analisado como uma letra de música, cabe ao ouvinte pensar em tudo aquilo que o MC está dizendo, em outras palavras, um dos principais objetivos do Rap é levar as pessoas que estão ouvindo aquela letra a refletirem. Neste sentido, Paz Tella (1999, p. 58) coloca que: o objetivo é provocar uma reação crítica nos jovens, questionando elementos que estão presentes no imaginário social).
Pensando o Rap no contexto no qual ele foi composto, isto é, lembrando das bases da Cultura Hip Hop, em que seu berço no Brasil foi o estado de São Paulo, em meados da década de 1980, o Rap tem sua gênese em solo brasileiro no mesmo espaço do Break, a galeria da estação “São Bento” do Metrô.
Naquele contexto, as pessoas dividiam-se entre a dança e a mensagem política que no início, apenas embalava as rodas de Break, pois, as pessoas que ali estavam, desconheciam a verdadeira mensagem que as letras de Rap passavam. Com isso, o Rap era chamado de
“tagarela” (Rocha et al. 2001 p.51), e com o passar dos anos, o entendimento acerca desta prática social foi solidificado, dando origem a diversos grupos de Rap.
Uma das primeiras ações daqueles grupos que haviam sido formados na estação São Bento, foi a procura por um espaço próprio, onde eles não dividiriam ações e atenções com nenhum outro elemento da Cultura Hip Hop.
O espaço escolhido foi à praça Roosevelt, local em que as práticas da Cultura Hip Hop ligadas especificamente ao Rap, passaram a se organizar como movimento político social. Os MC’s que passaram a estudar o Hip Hop constataram seu teor contestatório, e passaram a refletir sobre os nossos problemas. Na mesma perspectiva dos americanos, apontavam suas ações para questões como discriminação racial e social, a criminalidade, e as relações entre opressores e oprimidos presentes em nossos dias. Esta característica pertencente ao Rap foi incorporada ao contexto de ações dos grupos, a partir da segunda geração de Rappers norte-americanos.
Os MC’s começaram a estudar as letras que conheciam, destacando assim, alguns grupos como: DMN, Thayde e DJ Hum, Racionais MC’s, Facção Central, entre outros. Esses atores passaram a engendrar uma nova maneira de contestação social, eles transformaram a música em muito mais que versos cantados, tornando-a um instrumento concreto de ação e representação da população residente nas periferias da cidade de São Paulo. Sobre isso, Marco Aurélio Paz Tella (1999), nos mostra que:
O Rap torna-se um canal de produção de novos elemento e símbolos culturais da população negra, os quais, muitas vezes, são conflitantes com os elementos aceitos pela sociedade branca, constituindo-se num instrumento de contestação e questionamento da realidade social. (p.58).
Tornando-se um novo meio de produção artística e, sobretudo de contestação social, o Rap propicia àqueles que têm oportunidade de escutá-lo o refletir acerca de sua cotidianeidade. Este pensamento não tem suas bases alicerçadas no argumento que aponta a população de baixa renda como a escória das sociedades7, pelo contrário, as letras afirmam os processos desumanos presentes na relação opressores e oprimidos, citando por exemplo: a analogia entre patrões e empregados, nos levando a refletir sobre questões éticas, étnicas, filosóficas e políticas. Mas, para isso, não utiliza a linguagem culturalmente pautada como formal.
7 Mesmo que implicitamente.
Neste artigo tivemos como principal objetivo apresentar a Cultura Hip Hop a comunidade acadêmica e propor sua possível utilização nas aulas de Educação Física Escolar, acreditamos que esta tematização seja possível, levando-se em conta as questões pertinentes as culturais juvenis e as tematizações das aulas.
Referências Bibliográficas:
ANDRADE, E. N.(org.) Rap e educação rap é educação São Paulo, Summus, 1999.
BRASIL. Linguagens, códigos e suas tecnologias / Secretaria da Educação Média e Tecnológica – Brasília: MEC, SEMTEC, 2002
BRASIL. Linguagens, códigos e suas tecnologias / Secretaria de Educação Básica – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006.
MAGRO, V. M. de M. Adolescentes como autores de si próprios: cotidiano, educação e o hip hop. Cad. CEDES, Ago 2002, vol.22, no.57, p.63-75.
MILITÃO, J. Como fazer trabalho comunitário? São Paulo, Paulus, 2003
ROCHA, J. DOMENICH, M. CASSEANO, P. Hip Hop A periferia grita São Paulo, Perseu Abramo, 2001.
SILVA, V. G. B. da e Soares, C. B. As mensagens sobre drogas no rap: como sobreviver na periferia. Ciênc. saúde coletiva, out./dez. 2004, vol.9, no.4, p.975-985.
ZENI, B. “O negro drama do rap: entre a lei do cão e a lei da selva” in Revista Estudos Avançados, São Paulo, USP. 2004, p. 225-41.
GEPEFE-
Claudia Ottoni Caiado Pereira
Edson José Manzano Rodrigues
Evando Carlos Moreira
Leonardo Vieira de Souza
Marco Aurélio Gonçalves Nóbrega dos Santos
Raquel Stoilov Pereira
Rodrigo Luiz Vecchi
Rosangela Sampaio Alves
Sheila Aparecida Pereira dos Santos Silva
Vera Lucia Teixeira da Silva
Contato: gepefe@yahoogrupos.com.br

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