domingo, 13 de fevereiro de 2011

ATIVIDADES RECREATIVAS E INCLUSÃO

Ao referir-se a elaboração e participação de atividades recreativas na perspectiva da inclusão, a diversidade e peculiaridade presentes em cada individuo,  a participação do sujeito de forma prazerosa, com sentido e significado dentro de um contexto social tornam-se um enormes desafios.
No primeiro contato, é importante conversar com os indivíduos em questão, por meio do dialogo pode-se realizar uma avaliação diagnóstica com o objetivo de conhecer as expectativas, as preferências, as potencialidades, enfim, colher dados que irão subsidiar a elaboração das atividades. As informações previamente obtidas pela família e/ou relatórios médicos também podem oferecer dados importantes para a elaboração das atividades.
Ao consultar a literatura sobre as características das pessoas com necessidades especiais, é comum encontrar referencias da descrição dos problemas, dificuldades ou aquilo que o indivíduo não consegue realizar. É evidente que as limitações provenientes das características desses sujeitos devem ser do conhecimento dos profissionais de todas as áreas que lidam com esse individuo. Mas, observar e constatar o que a criança não pode ou não consegue fazer é um tanto óbvio: o desafio é descobrir novas formas de superar as dificuldades apresentadas.
Ao almejar a elaboração e desenvolvimento de atividades recreativas na perspectiva da inclusão as possibilidades e as potencialidades presentes na diversidade de cada contexto devem ser enfatizadas. Essa conduta pedagógica requer o respeito as vivências, a bagagem social e cultural de cada individuo, ao conhecimento construído ao longo da história de cada sujeito expressas em cada corporeidade.  
Embora as crianças sejam diferentes entre si, os valores que buscam no lazer são basicamente os mesmos. Das atividades de recreação e do lazer, elas esperam descanso, diversão e desenvolvimento nos níveis pessoal e social. Dessa forma, os conteúdos de vivências a serem sugeridos para as pessoas com deficiência também não se diferenciam dos “convencionais”.
O que deve variar são as estratégias e a metodologia de ensino voltado às necessidades de cada indivíduo, sendo necessárias algumas adaptações que tornem possível a inclusão.
Na realidade, não existem receitas prontas que indiquem a prescrição de atividades recreativas na perspectiva inclusiva. Todavia, ocorre um processo contínuo de descobertas, o qual irá respaldar as adequações das orientações, dos materiais, dos espaços físicos, do tempo.
Dessa forma, pode ocorrer o processo de adaptação de atividades de recreação e de lazer às necessidades e interesses da pessoa com deficiência. A maioria das pessoas portadoras de deficiências tem traços fisionômicos, alterações morfológicas ou problemas de coordenação que as destacam das demais. A atitude dos alunos diante dessas diferenças é algo que se construirá na convivência e dependerá muito da atitude que o professor adotar. É possível integrar essa criança ao grupo, respeitando suas limitações, e, ao mesmo tempo, dar oportunidade para que desenvolva suas potencialidades.
Alguns procedimentos de inclusão devem ser realizados, tais como incentivar a autonomia e independência; posicionar os participantes com maior e menor nível de comprometimento intercaladamente durante a realização das atividades; oferecer quantas chances forem necessárias; elogiar as tentativas que realmente expressam o esforço do aluno.
Segue uma síntese de algumas adaptações metodológicas que devem ser consideradas durante a elaboração e aplicação de um programa de atividades recreativas na perspectiva  da inclusão.

Propostas de atividades


Garantidas as condições de segurança, o professor pode fazer adaptações, criar situações de modo a possibilitar a participação dos alunos especiais. Uma criança na cadeira de rodas pode participar de uma corrida se for empurrada por outra e, mesmo que não desenvolva os músculos ou aumente a capacidade cardiovascular, estará sentindo as emoções de uma corrida. Num jogo de futebol, a criança que não deve fazer muito esforço físico pode ficar um tempo no gol, fazer papel de técnico, de árbitro ou mesmo torcer. A aula não precisa se estruturar em função desses alunos, mas o professor pode ser flexível, fazendo as adequações necessárias.



     As atividades a seguir selecionadas estão direcionadas a um público infantil com faixa etária entre 7 e 12 anos, independentemente da deficiência apresentada. Conforme a atividade, varia também a necessidade de adaptações quanto à instrução, materiais, espaço físico e regras. Todavia, pode ser necessário proceder alguns ajustes ou adaptações, conforme as situações específicas.

Animais e Cia

Indicação: Recomendada aos momentos em que é necessária a divisão dos participantes em subgrupos. A divisão de forma lúdica e aleatória evita a formação das tradicionais “panelinhas” e, sobretudo, evita a exposição e o constrangimento de indivíduos que sempre são os últimos a serem escolhidos por seus colegas.
Objetivo da atividade: Procurar os animais da mesma “família” e reunir-se com eles.
Material necessário:
q Vendas para os olhos.
q Desenhos ou figuras de diferentes animais.
Desenvolvimento: O animador solicita aos participantes que se disponham em círculo. A partir do conhecimento do número de equipes que deseja formar, define mentalmente quantos tipos de animais serão envolvidos na brincadeira. Exemplo: se é necessária a divisão do grupo em 4 equipes, deverão ser escolhidos 4 animais, como cachorro, galinha, vaca e gato. O animador solicita aos participantes que não revelem o nome do animal, e vai dizendo no ouvido de cada um o nome de um dos quatro animais previamente selecionados por ele. Depois de informar confidencialmente a cada participante o nome de seu respectivo animal, solicita a todos que tentem localizar os animais da mesma “família”. O animador esclarece que não é permitido comunicar-se por palavras, apenas utilizando sons e gestos, para representar os animais. Outro detalhe é que os participantes deverão permanecer com os olhos fechados durante a procura por seus companheiros.
Adaptações necessárias:
q Materiais: Para auxiliar a participação de crianças com deficiência física, que muitas vezes têm dificuldade de controlar o tônus muscular e a permanência espontânea com os olhos fechados, sugerimos o uso de vendas para os olhos. As crianças com baixa visão, ou seja, que possuem certa visão remanescente, também devem ser encorajadas a usar as vendas.
q Instrução: Para facilitar a compreensão da atividade por parte das crianças surdas, convém utilizar desenhos ou figuras dos animais.
q Regras: Estas últimas podem permanecer com os olhos abertos, uma vez que não conseguirão aproveitar-se da discriminação auditiva para identificar seus semelhantes.
Sugestões: O animador deve atribuir os nomes dos animais às crianças, conforme as capacidades e habilidades de cada uma. Por exemplo: caso uma das crianças seja paraplégica (classificação de deficiência física provocada por paralisia dos membros inferiores) e possua condições de se arrastar pelo chão com auxílio do tronco e membros superiores, o animal determinado a ela poderia ser uma “cobra”. Nesse caso, seria necessária mais uma adaptação material: o uso de colchões no espaço físico, para que a criança tenha liberdade de rastejar sem se machucar.
Comentários: A permanência com os olhos fechados estimula a utilização de outros órgãos sensoriais, contribuindo para a ampliação da percepção do ambiente. Essa atividade também incentiva a expressão corporal e favorece as habilidades de comunicação interpessoal.

Tato Con-tato

Indicação: Essa atividade proporciona a possibilidade de experimentação de novos modelos e estimula a capacidade de ajustamento e adaptação a novos padrões, contribuindo para o processo de aceitação das diferenças.
Objetivo da atividade: Compor e trabalhar esculturas corporais.
Material necessário: Vendas para os olhos.
Desenvolvimento: Os participantes serão divididos em trios: um será o “escultor”, outro será a “imagem” ou o modelo e o terceiro será o “bloco de mármore” ou a matéria prima a ser trabalhada. Após a definição dos papéis, o animador solicita a todos os participantes que fechem os olhos. Aqueles que desejarem poderão utilizar vendas. A “imagem”, então, cria e assume determinada pose, permanecendo imóvel, como se fosse uma estátua. O “escultor” toca a imagem com as mãos, tentando percebê-la em todos os seus detalhes (posição, postura, expressão facial etc.) e, em seguida, tenta passar ao “bloco de mármore” a “imagem” percebida, por meio do tato e do contato. O “bloco de mármore”, por sua vez, deve tentar permanecer na posição determinada pelo “escultor”. Ao concluir a obra, o “escultor” comunica aos demais, quando, então, todos podem abrir os olhos e comentar a experiência.
Adaptações necessárias:
q Instrução: Depois de concluída a escultura, é importante que a pessoa com deficiência visual receba um feed-back, baseado em descrição verbal, para facilitar a compreensão dos comentários e comparações entre a “imagem” e o “bloco de mármore”.
Sugestões: Para tornar a atividade mais relaxante, pode ser utilizada uma suave música de fundo.
Comentários: Essa atividade consiste na adaptação de um jogo cooperativo proposto por Brotto (2000), e não exige grandes adaptações. É uma atividade que estimula a concentração e amplia a percepção tátil.
Golbol

Indicação: O golbol é uma modalidade esportiva concebida especialmente para permitir a participação de pessoas com deficiência visual. Como todos os participantes são incentivados a utilizar vendas nos olhos, qualquer pessoa pode ser incluída nesse jogo.
Objetivo da atividade: Fazer com que a bola ultrapasse a linha de fundo do campo do time adversário.
Material necessário:
q 6 vendas para os olhos;
q 2 rolos de fita adesiva (5 cm de largura);
q 1 rolo de barbante ou corda de varal;
q 1 bola com guizos;
q 1 apito;
q 6 pares de joelheiras e cotoveleiras.
Desenvolvimento: O animador deve preparar o espaço físico previamente, conforme descrito no item seguinte. As dimensões da quadra de golbol são proporcionais à quadra de voleibol (9 x 18 m). Cada equipe é composta por 3 jogadores, devidamente equipados e posicionados cerca de 2 m antes da linha de fundo de seu campo, observando as demarcações táteis na quadra. Sorteia-se a posse de bola, a qual contém um guizo em seu interior, e um dos times começa atacando. Um dos 3 jogadores da equipe “A” arremessa a bola à frente, em direção à linha de fundo da equipe adversária. A bola deve ser lançada como uma bola de boliche, em trajetória rasteira ao solo. Os jogadores da equipe “B”, orientados pelo som da bola, devem tentar bloquear a passagem da bola com o seu corpo, impedindo que a equipe “A” marque gol. A cada gol realizado, é marcado um ponto. Em caso de defesa, a equipe recupera a posse de bola e realiza o contra-ataque. Quando a bola sai da quadra pelas linhas laterais, o árbitro concede a posse de bola à equipe em situação defensiva.
Adaptações necessárias:
q Espaço Físico: Para favorecer a orientação espacial dos participantes (que estarão vendados e não poderão contar com o auxílio da visão), a quadra deve ser demarcada com barbante e fita crepe em toda a sua extensão. A fita adesiva é colocada sobre o barbante esticado em todo o comprimento da linha demarcatória, para permitir a orientação tátil-espacial pelo relevo resultante dessa operação.
q Materiais: A bola de golbol é pesada e tem o tamanho aproximado de uma bola de basquetebol. Os guizos em seu interior favorecem a sua localização enquanto ela está em movimento. Como é um material difícil de ser encontrado no Brasil, é possível improvisar envolvendo uma bola de futebol de campo em papel celofane ou sacos plásticos, fixados com fita crepe. É preciso que o saco plástico seja “barulhento”, como aqueles distribuídos em supermercados.
q Regras: Ao observar que uma mesma criança realiza vários arremessos consecutivos e, conseqüentemente, priva as demais da oportunidade de arremessar, o animador pode acrescentar uma regra em que seja proibida a realização de dois passes consecutivos pela mesma pessoa, ou que incentive a troca de passes entre todas as pessoas do time.
q Instrução: A criança com surdez também deverá utilizar a venda. Como ela não pode se orientar prioritariamente pelo sentido auditivo para localizar o som da bola, o animador solicitará a uma quarta criança (sem os olhos vendados) que se posicione atrás da criança surda e indique, por meio de um toque no ombro direito ou esquerdo dela, a direção da trajetória da bola. Dependendo do nível de comprometimento motor, crianças com deficiência física poderão participar do jogo, desde que posicionadas sobre uma fina placa de espuma para proteção.
Sugestões: É interessante convidar crianças sem deficiência a participar dessa atividade, pois, por meio do uso da venda, essa atividade permite a experiência de se colocar, por alguns minutos, no lugar do outro.
Comentários: Como muitos outros jogos derivados de modalidades esportivas, o golbol é uma atividade que envolve a competição. Quando adequadamente conduzido pelo animador ou técnico, esse elemento pode proporcionar um alto grau de motivação aos participantes.
Uma das principais características das atividades de recreação e de lazer é o alto potencial educativo nelas embutido, envolvendo um duplo aspecto: a educação para o lazer permite que a pessoa com deficiência entre em contato com novas possibilidades de aproveitamento de seu tempo disponível, com vista a enriquecer seu repertório de opções e caminhar rumo a uma autonomia, no que diz respeito à garantia de suas necessidades e direitos como cidadã. A educação pelo lazer também favorece a revisão e introjeção de valores associados à questão da deficiência, entre outros, que se estendem a uma dimensão maior do que as vivências relacionadas ao lazer propriamente dito. As atividades de recreação e de lazer favorecem a convivência em grupo e a aceitação mútua de seus integrantes, bem como incentiva o respeito à individualidade e às diferenças existentes.
Embora possa parecer difícil criar e adaptar atividades de recreação e de lazer às necessidades das pessoas com deficiência, ainda mais complexo é buscar a conscientização social acerca dos direitos destas como cidadãs.  

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